terça-feira, 28 de setembro de 2010


Só os Lábios Respiram


Só os lábios respiram. Simples gesto vivo, 
exílio do som onde se oculta o pavor da 
palavra, pátria salgada cerrada no vazio 
da casa de velhos deuses ávidos de preces. 
Na garra da águia se fecha e rompe a boca, 
templo e entranha, prodígio e anel 
do eco, sinal esparso do caído concerto 
da vida. Por estes soberbos montes, estas 
rasas colinas, estas águas circulantes, 
vai o grito da cegueira, o delírio lasso 
na manhã, a saciada loucura do escuro 
nome nocturno. Como um fragor dos céus, 
caminha o canto agudo das árduas cigarras 
perseguindo a funesta morte. Por esta 
paisagem parda, que lábios me guardam 
do próximo desastre, a mudança em ave, 
cio ou sal, erva ou peixe, cicatriz ou 
mito, veia ou água? Que lábios respiram 
na coisa mortal que serei após o termo 
da eterna efemeridade deste meu corpo, 
coma de luz, deste desejo, rijo resíduo, 
deste pensamento, disfarce ou máscara, 
deste rapto do tempo, deste 
coração que começa? 

Orlando Neves, in "Lamentação em Cáucaso"




Sem comentários: