segunda-feira, 1 de novembro de 2010


insinceridade

quis-nos aos dois enlaçados 
meu amor ao lusco-fusco 
mas sem saber o que busco: 
há poentes desolados 
e o vento às vezes é brusco 

nem o cheiro a maresia 
a rebate nas marés 
na costa de lés a lés 
mais tempo nos duraria 
do que a espuma a nossos pés 

a vida no sol-poente 
fica assim num triste enleio 
entre melindre e receio 
de que a sombra se acrescente 
e nós perdidos no meio 

sem perdão e sem disfarce, 
sem deixar uma pegada 
por sobre a areia molhada, 
a ver o dia apagar-se 
e a noite feita de nada 

por isso afinal não quero 
ir contigo ao lusco-fusco, 
meu amor, nem é sincero 
fingir eu que assim te espero, 
sem saber bem o que busco. 

Vasco Graça Moura, in "Antologia dos Sessenta Anos"




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