quinta-feira, 24 de julho de 2008

Eu que sou feio, sólido, leal, A ti, que és bela, frágil, assustada, Quero estimar-te, sempre, recatada Numa existência honesta, de cristal. Sentado à mesa de um café devasso, Ao avistar-te, há pouco fraca e loura, Nesta babel tão velha e corruptora, Tive tenções de oferecer-te o braço. E, quando socorrestes um miserável, Eu, que bebia cálices de absinto, Mandei ir a garrafa, porque sinto Que me tornas prestante, bom, sudável. «Ela aí vem!» disse eu para os demais; E pus me a olhar, vexado e suspirando, O teu corpo que pulsa, alegre e brando, Na frescura dos linhos matinais. Via-te pela porta envidraçada; E invejava, - talvez que não o suspeites! - Esse vestido simples, sem enfeites, Nessa cintura tenra, imaculada. ... Soberbo dia! Impunha-me respeito A limpidez do teu semblante grego; E uma família, um ninho de sossego, Desejava beijar o teu peito. Com elegância e sem ostentação, Atravessavas branca, esbelta e fina, Uma chusma de padres de batina, E de altos funcionários da nação. «Mas se a atropela o povo turbulento! Se fosse, por acaso, ali pisada!» De repente, parastes embaraçada Ao pé de um numeroso ajuntamento, E eu, que urdia estes frágeis esbocetos, Julguei ver, com a vista de poeta, Um pombinha tímida e quieta Num bando ameaçador de corvos pretos. E foi, então que eu, homem varonil, Quis dedicar-te a minha pobre vida, A ti, que és ténue, dócil, recolhida, Eu, que sou hábil, prático, viril. Cesário Verde

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