terça-feira, 8 de abril de 2008




Os Nautas

Para a Maria Gabriel

Quando até sobre a tarde navegavam
a luz que dentro vinha sobrepunha
a lantejoula aguda de outro sol
ao passo opaco, idêntico, cercando
os braços intranquilos, a surpresa
que só de pressentida lhes doía.

Ao frio sal que sob os pés sentiam
e à escuridão mais fundo, ao sonolento
e bruto som da corda e da madeira,
às dores de fome e ao gemido fraco
duma saudade parda, à solidão
sem espelho, à gula insaciada, ao medo

— a tudo combatia uma paixão
neles tão nova, nevoenta outrora,
qual a de ver, de ver de olhos abertos
até sentir no roçagar dos dedos,
a mínima paisagem, mais total
que os montes lerdos, pátrios e trocados:

a crispação da vela, o peixe lento
de súbito surgindo, ignotas flores,
cores purulentas, vasto e escasso espaço
para estrídulos pássaros abertos
e outra vida mor,
e ainda bruma
que não sabem se é deste ou doutro sonho.


Pedro Tamen


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