Tiveste e perdeste. Foste e já não és. És o que não eras, ainda assim. A amada, essa obsessão. Aquela por quem dormiste mal, por quem esperaste nos aeroportos e nas estações de caminhos de ferro. Aquela a quem apertaste a mão com um sorriso nos lábios ou acariciaste o pescoço com amor. A amada era uma ideia no teu espírito, a imagem pintada em cores fortes e aguadas. Fora de nós não existe nada. Nada que dure, em todo o caso. Agora, que entendeste alguns princípios básicos da filosofia tradicional - o real e nós, o sujeito separado do objecto, a inexistência do mundo exterior e a do universo interior, do próprio «eu» - aprendes a viver longe dos outros, da «realidade». Palavras, ideias, sistemas, a pretensão da sabedoria. E a ti que te importa? Queres viver, não ceder à tentação do caos que nos libertaria da dor. Existo, dizes, isso sei-o. Posso deixar de existir, também o sei. Mas não poderias, se te arrependesses de ter morrido, voltar a existir de novo. Tais são os limites. Há gente que continua a falar-te como se entendesse alguma coisa da tua maneira de ser. Deixá-los. As recordações que temos, com ninguém as podemos partilhar. Nem quero, deixem-me em paz. Mulheres nervosas e ambiciosas à procura de poder, oiço-vos e depois chego a casa enojado da minha amabilidade e paciência. O mundo, ah, a eterna luta. Um dia morreremos. Todos. Um a um. E que fica da paixão e da dor, do ódio e do ressentimento? Só o presente existe. Mas ninguém quer deixar má memória de si. Ninguém. Mil vezes já foram ditas as coisas essenciais. E não escapámos à dor, nem à insignificância, nem serviu de nada termos conhecido a alegria, o amor.
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