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Casem-se os poetas com a respiração do Mundo (Osvaldo Alcântara)
Os meus versos
Rasga esses versos que eu te fiz, Amor!
Deita-os ao nada, ao pó, ao esquecimento,
Que a cinza os cubra, que os arraste o vento,
Que a tempestade os leve aonde for!
Rasga-os na mente, se os souberes de cor,
Que volte ao nada o nada de um momento!
Julguei-me grande pelo sentimento,
E pelo orgulho ainda sou maior!...
Tanto verso já disse o que eu sonhei!
Tantos penaram já o que eu penei!
Asas que passam, todo o mundo as sente...
Rasgas os meus versos... Pobre endoidecida!
Como se um grande amor cá nesta vida
Não fosse o mesmo amor de toda a gente!...
Florbela Espanca
SOLIDÃO
Ó solidão! À noite, quando, estranho,
Vagueio sem destino, pelas ruas,
O mar todo é de pedra... E continuas.
Todo o vento é poeira... E continuas.
A Lua, fria, pesa... E continuas.
Uma hora passa e outra... E continuas.
Nas minhas mãos vazias continuas,
No meu sexo indomável continuas,
Na minha branca insónia continuas,
Paro como quem foge. E continuas.
Chamo por toda a gente. E continuas.
Ninguém me ouve. Ninguém! E continuas.
Invento um verso... E rasgo-o. E continuas.
Eterna, continuas...
Mas sei por fim que sou do teu tamanho!
Pedro Homem de Mello
De cada vez
Contínua realidade que me sorves os dias
como hei-de responder-te se vives incluída
dos meus olhos abertos nas ávidas e frias
pedras incertas vida
prisioneira do espelho que embacias
de cada vez que a turva suicida
torna ao morrer visíveis
as formas com que comes os meus dias
Gastão Cruz
Como dormirão meus olhos?
Como dormirão meus olhos? Não sei como dormirão, pois que vela o coração. Voltas Toda esta noite passada, que eu passe em sentir, nunca a pude dormir, de ser muito acordada. Dos meus olhos foi velada; mas como não velarão, pois que vela o coração? As horas dela cuidei dormi-las: foram veladas. pois tam bem as empreguei, dou-as por bem empregadas. Todas as noutes passadas neste pensamento vão, pois que vela o coração. Pássaros que namorados pareceis no que cantais, não ameis, que, se amais, de vós sereis desamados. Em meus olhos agravados vereis se tenho rezão, pois que vela o coração.Cristóvão Falcão
Amor que morre
O nosso amor morreu... Quem o diria!
Quem o pensara mesmo ao ver-me tonta,
Ceguinha de te ver, sem ver a conta
Do tempo que passava, que fugia!
Bem estava a sentir que ele morria...
E outro clarão, ao longe, já desponta!
Um engano que morre... e logo aponta
A luz doutra miragem fugidia...
Eu bem sei, meu Amor, que pra viver
São precisos amores, pra morrer,
E são precisos sonhos pra partir.
E bem sei, meu Amor, que era preciso
Fazer do amor que parte o claro riso
De outro amor impossível que há-de vir!
Florbela Espanca
Serenada da rainha de Kachmir
O vestido de noivado
da rainha de Kachmir
era a diamantes bordado,
como luar num terrado!...
Parecia o Céu estrelado,
ou a visão de um faquir,
o vestido de noivado
da rainha de Kachmir.
Se é a Via Láctea, em suma,
não há olhar que destrince!...
Nenhuma vista, nenhuma
jurará se é neve ou pluma,
se é leite, ou astro, ou espuma,
nem o próprio olhar do Lince...
Se é a Via Láctea, em suma,
não há olhar que destrince!
Levava, nas mãos patrícias,
leque de rendas e sândalo...
Oh! que mãozinhas... delícias
para amimar com blandícias,
para beijar com carícias,
que adorariam um Vândalo...
Levava, nas mãos patrícias,
leque de rendas e sândalo.
Cor da lua, os sapatinhos
eram mais subtis que o leque!...
Seu manto, púrpura e arminhos,
não rojava nos caminhos,
pois sua cauda, aos saltinhos,
levava-a um núbio muleque.
Cor da lua, os sapatinhos
eram mais subtis que o leque!
Eis que, no meio da boda,
entrou um moço estrangeiro...
Calou-se a alegria doida
da grande assembleia, em roda!
E a brilhante sala toda
fitou o jovem romeiro.
Eis que, no meio da boda,
entrou um moço estrangeiro...
Pegou no copo, com graça,
e brindou, em língua estranha...
E a rainha, a vista baça,
como a um punhal que a trespassa,
encheu de prantos a taça,
e o seu lenço de Bretanha...
Chorou baixinho, ao ouvir, com graça,
esse brinde, em língua estranha!
Encheu de pranto o vestido,
encheu de pranto os anéis...
E, sem soltar um gemido,
chorou, num pranto sumido,
o seu passado perdido,
os seus amores tão fiéis!...
Encheu de pranto o vestido,
encheu de pranto os anéis.
Quem era o moço viajante
Que fez turbar a rainha?...
Era o seu primeiro amante,
tão leal e tão constante,
que, do seu reino distante,
brindar ao Passado vinha...
Tal era o moço viajante,
que fez turbar a rainha.
Saudades de amor quebrado
fazem lágrimas cair!
Por um brinde ao amor passado,
ficou de pranto alagado
o vestido de noivado
da rainha de Kachmir.
Saudades de amor quebrado
fazem lágrimas cair!...
Gomes Leal
Canção 6 ( in "Tristes cantigas de amor" )
Não me peças mais canções
Porque a cantar vou sofrendo;
Sou como as velas do altar
Que dão luz e vão morrendo.
Se a minha voz conseguisse
Dissuadir essa frieza
E a tua boca sorrisse!
Mais sóbria por natureza
Não a posso renovar
E o brilho vai-se perdendo...
— Sou como as velas do altar
Que dão luz e vão morrendo.
António Botto
AMOR
Amor, amor, amor, como não amam
os que de amor o amor de amar não sabem,
como não amam se de amor não pensam
os que de amar o amor de amar não gozam.
Amor, amor, nenhum amor, nenhum
em vez do sempre amar que o gesto prende
o olhar ao corpo que perpassa amante
e não será de amor se outro não for
que novamente passe como amor que é novo.
Não se ama o que se tem nem se deseja
o que não temos nesse amor que amamos,
mas só amamos quando amamos o acto
em que de amor o amor de amar se cumpre.
Amor, amor, nem antes, nem depois,
amor que não possui, amor que não se dá,
amor que dura apenas sem palavras tudo
o que no sexo é sexo só por si amado.
Amor de amor de amar de amor tranquilamente
o oleoso repetir das carnes que se roçam
até ao instante em que paradas tremem
de ansioso terminar o amor que recomeça.
Amor, amor, amor, como não amam
os que de amar o amor de amar o amor não amam.
Jorge de Sena
ESTE INFERNO DE AMAR
Este inferno de amar - como eu amo!
Quem mo pôs aqui n'alma... quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Que é a vida - e que a vida destrói -
Como é que se veio a atear,
Quando - ai quando se há-de ela apagar?
Eu não sei, não me lembra: o passado,
A outra vida que d'antes vivi
Era um sonho talvez... - foi um sonho -
Em que paz tão serena a dormi!
Oh! que doce era aquele sonhar...
Quem me veio, ai de mim! despertar?
Só me lembra que um dia formoso
Eu passei... dava o sol tanta luz!
E os meus olhos, que vagos giravam,
Em seus olhos ardentes os pus.
Que fez ela? eu que fiz? - Não no sei;
Mas nessa hora a viver comecei...