quinta-feira, 29 de julho de 2010

Como uma Voz de Fonte que Cessasse Como uma voz de fonte que cessasse (E uns para os outros nossos vãos olhares Se admiraram), p’ra além dos meus palmares De sonho, a voz que do meu tédio nasce Parou... Apareceu já sem disfarce De música longínqua, asas nos ares, O mistério silente como os mares, Quando morreu o vento e a calma pasce... A paisagem longínqua só existe Para haver nela um silêncio em descida P’ra o mistério, silêncio a que a hora assiste... E, perto ou longe, grande lago mudo, O mundo, o informe mundo onde há a vida... E Deus, a Grande Ogiva ao fim de tudo... Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

domingo, 18 de julho de 2010

[17 - Sê Jovem]

Sê jovem, Jovem, apenas.

Não faças literatura Nem ponhas o melancólico aspecto De quem sabe E se debruça Nos abismos Desta pobre humanidade Tão vil e tão desgraçada!

Sê natural como as rosas Que rebentaram ali nos canteiros do jardim, — E sê jovem!, Mas não queiras ser mais nada Quando estás ao pé de mim.

António Botto

Dieting: day 15

sexta-feira, 16 de julho de 2010

[Andar? Não me custa nada!...] Andar? Não me custa nada!... Mas estes passos que dou Vão alongando uma estrada Que nem sequer começou. Andar na noite?! Que importa?... Não lenho medo da noite Nem medo de me cansar; Mas na estrada em que vou. Passo sempre a mesma poria... E começo a acreditar No mau feitiço da estrada: Que se ela não começou Também não foi acabada! Só sei que, neste destino, Vou atrás do que não sei... E já me sinto cansada Dos passos que nunca dei.
Natália Correia

Dieting: day 13

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Cântico da Manhã

Que alvor, que amar, que música, Nos céus, em mim, no ar! A festa da existência Me vem ressuscitar! Nasço a cantar com os pássaros! Surjo a brilhar com a luz! Envolta em rosas cândidas Ledo retomo a cruz!

Fonte de Ser! Espírito! Mistério criador! Eis-me! saí dum túmulo, Como da terra a flor. Eis-me! eu te escuto. Emprega-me. Senhor, que vou fazer? «Ama» bradou a voz íntima, «Amar cifra o dever»

António Feliciano de Castilho

Dieting: day 12

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Moimento Puseram a bandeira a meia-haste E decretaram luto na cidade, Responsos, coroas, círios – quanto baste Para iludir a eternidade. Teve o nome nas ruas, em moimentos: «Nasceu – morreu – tantos de tal – Poeta». Houve discursos graves, longos, lentos. - Venham todos os ventos Do planeta! Rasguem bandeiras, sequem flores; no céu Se percam orações, paters e glórias - Tudo isso é dor que não lhe pertenceu – Destruam as estátuas e as memórias; Que os discursos inúteis vão dispersos… - A homenagem a um Poeta que morreu É decorar-lhe os versos! António Manuel Couto Viana

Dieting: day 11