sábado, 26 de junho de 2010
As Minhas Ansiedades
As minhas ansiedades caem
Por uma escada abaixo.
Os meus desejos balouçam-se
Em meio de um jardim vertical.
Na Múmia a posição é absolutamente exata.
Música longínqua,
Música excessivamente longínqua,
Para que a Vida passe
E colher esqueça aos gestos.
Fernando Pessoa, in 'Cancioneiro'
quinta-feira, 24 de junho de 2010
A Possibilidade de uma Ilha
Minha vida, minha vida, minha muito ancestral
Mal cumprido o meu primeiro voto
Repudiado o meu primeiro amor,
Precisei do teu retorno.
Precisei de conhecer
O que a vida tem de melhor,
Quando dois corpos brincam com a felicidade
E se unem e renascem sem fim.
Dominado por uma dependência total,
Sei o estremecimento do ser
A hesitação em desaparecer,
O sol que incide de través
E o amor, onde tudo é fácil,
Onde tudo é dado no momento;
Existe no meio do tempo
A possibilidade de uma ilha.
Michel Houellebecq, in "A Possibilidade de uma Ilha"
quarta-feira, 23 de junho de 2010
Se Andava no Jardim
Se andava no jardim
Que cheiro de jasmim!
Tão branca do luar!
..................................
..................................
..................................
Eis tenho-a junto a mim.
Vencida, é minha, enfim,
Após tanto a sonhar...
Porque entristeço assim?...
Não era ela, mas sim.
(O que eu quis abraçar),
A hora do jardim...
O aroma de jasmim...
A onda do luar...
Camilo Pessanha, in 'Clepsidra'
terça-feira, 22 de junho de 2010
Demissão
Este mundo não presta, venha outro.
Já por tempo de mais aqui andamos
A fingir de razões suficientes.
Sejamos cães do cão: sabemos tudo
De morder os mais fracos, se mandamos,
E de lamber as mãos, se dependentes.
José Saramago, in "Os Poemas Possíveis"
segunda-feira, 21 de junho de 2010
Não me Peçam Razões...
Não me peçam razões, que não as tenho,
Ou darei quantas queiram: bem sabemos
Que razões são palavras, todas nascem
Da mansa hipocrisia que aprendemos.
Não me peçam razões por que se entenda
A força de maré que me enche o peito,
Este estar mal no mundo e nesta lei:
Não fiz a lei e o mundo não aceito.
Não me peçam razões, ou que as desculpe,
Deste modo de amar e destruir:
Quando a noite é de mais é que amanhece
A cor de primavera que há-de vir.
José Saramago, in "Os Poemas Possíveis"
domingo, 20 de junho de 2010
Passado, Presente, Futuro
Eu fui. Mas o que fui já me não lembra:
Mil camadas de pó disfarçam, véus,
Estes quarenta rostos desiguais.
Tão marcados de tempo e macaréus.
Eu sou. Mas o que sou tão pouco é:
Rã fugida do charco, que saltou,
E no salto que deu, quanto podia,
O ar dum outro mundo a rebentou.
Falta ver, se é que falta, o que serei:
Um rosto recomposto antes do fim,
Um canto de batráquio, mesmo rouco,
Uma vida que corra assim-assim.
José Saramago, in "Os Poemas Possíveis"
sábado, 19 de junho de 2010
Aprendamos, Amor
Aprendamos, amor, com estes montes
Que, tão longe do mar, sabem o jeito
De banhar no azul dos horizontes.
Façamos o que é certo e de direito:
Dos desejos ocultos outras fontes
E desçamos ao mar do nosso leito.
José Saramago, in "Os Poemas Possíveis"
sexta-feira, 18 de junho de 2010
sábado, 12 de junho de 2010
Sem Corpo Nenhum
Sem corpo nenhum,
como te hei de amar?
— Minha alma, minha alma,
tu mesma escolheste
esse doce mal!
Sem palavra alguma,
como o hei de saber?
— Minha alma, minha alma,
tu mesma desejas
o que não se vê!
Nenhuma esperança
me dás, nem te dou:
— Minha alma, minha alma,
eis toda a conquista
do mais longo amor!
Cecília Meireles
terça-feira, 8 de junho de 2010
sexta-feira, 4 de junho de 2010
Inutilmente Parecemos Grandes
O mar jaz; gemem em segredo os ventos
Em Eolo cativos;
Só com as pontas do tridente as vastas
Águas franze Netuno;
E a praia é alva e cheia de pequenos
Brilhos sob o sol claro.
Inutilmente parecemos grandes.
Nada, no alheio mundo,
Nossa vista grandeza reconhece
Ou com razão nos serve.
Se aqui de um manso mar meu fundo indício
Três ondas o apagam,
Que me fará o mar que na atra praia
Ecoa de Saturno?
Ricardo Reis, in "Odes"
quinta-feira, 3 de junho de 2010
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