sábado, 26 de março de 2011
quinta-feira, 24 de março de 2011
Obsessão
Dentro de mim canta, intenso,
Um cantar que não é meu:
Cantar que ficou suspenso,
Cantar que já se perdeu.
Esta voz cantar assim?
Já lhe perdi o sentido:
Cantar que passa perdido,
Que não é meu estando em mim.
Depois, sonâmbulo, sonho:
Um sonho lento, tristonho,
De nuvens a esfiapar...
E, novamente, no sonho
Passa de novo o cantar...
Sobre um lago, onde em sossego
As águas olham o céu,
Roça a asa de um morcego...
E ao longe o cantar morreu.
Onde teria eu ouvido
Esta voz cantar assim?
Já lhe perdi o sentido...
E este cenário partido
Volta a voltar, repetido,
E o cantar recanta em mim.
Francisco Bugalho, in "Margens"
Onde teria eu ouvido
quarta-feira, 23 de março de 2011
Uma Gargalhada de Raparigas
Uma gargalhada de raparigas soa do ar da estrada.
Riu do que disse quem não vejo.
Lembro-me já que ouvi.
Mas se me falarem agora de uma gargalhada de rapariga da estrada,
Direi: não, os montes, as terras ao sol, o Sol, a casa aqui,
E eu que só oiço o ruído calado do sangue que há na minha vida dos dois lados da cabeça.
Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
segunda-feira, 21 de março de 2011
Povoamento
No teu amor por mim há uma rua que começa
Nem árvores nem casas existiam
antes que tu tivesses palavras
e todo eu fosse um coração para elas
Invento-te e o céu azula-se sobre esta
triste condição de ter de receber
dos choupos onde cantam
os impossíveis pássaros
a nova primavera
Tocam sinos e levantam voo
todos os cuidados
Ó meu amor nem minha mãe
tinha assim um regaço
como este dia tem
E eu chego e sento-me ao lado
da primavera
Ruy Belo, in "Aquele Grande Rio Eufrates"
domingo, 20 de março de 2011
sexta-feira, 18 de março de 2011
quarta-feira, 16 de março de 2011
sábado, 12 de março de 2011
sexta-feira, 11 de março de 2011
Formosura do Céu a nós descida,
Que nenhum coração deixas isento,
Satisfazendo a todo pensamento,
Sem que sejas de algum bem entendida;
Qual língua pode haver tão atrevida,
Que tenha de louvar-te atrevimento,
Pois a parte melhor do entendimento,
No menos que em ti há se vê perdida?
Se em teu valor contemplo a menor parte,
Vendo que abre na terra um paraíso,
Logo o engenho me falta, o espírito míngua.
Mas o que mais me impede inda louvar-te,
É que quando te vejo perco a língua,
E quando não te vejo perco o siso.
Luís Vaz de Camões, in "Sonetos"
quinta-feira, 10 de março de 2011
Os Amigos
que haviam estendido o sedento corpo
sobre infindáveis areias
tinham os gestos lentos das feras amansadas
e o mar iluminava-lhes as máscaras
esculpidas pelo dedo errante da noite
prendiam sóis nos cabelos entrançados
lentamente
moldavam o rosto lívido como um osso
mas estavam vivos quando lhes toquei
depois
a solidão transformou-os de novo em dor
e nenhum quis pernoitar na respiração
do lume
ofereci-lhes mel e ensinei-os a escutar
a flor que murcha no estremecer da luz
levei-os comigo
até onde o perfume insensato de um poema
os transmudou em remota e resignada ausência
Al Berto, in 'Sete Poemas do Regresso de Lázaro'
quarta-feira, 9 de março de 2011
Há em Toda a Beleza uma Amargura
Há em toda a beleza uma amargura
secreta e confundida que é latente
ambígua indecifrável duplamente
oculta a si e a quem na olhar obscura
Não fica igual aos vivos no que dura
e a não pode entender qualquer vivente
qual no cabelo orvalho ou brisa rente
quanto mais perto mais se desfigura
Ficando como Helena à luz do ocaso
a língua dos dois reinos nâo lhe é azo
senão de apartar tranças ofuscante
Mas à tua beleza não foi dado
qual morte a abrir teu juvenil estado
crescer e nomear-se em cada instante?
Walter Benjamin, in "Sonetos"
Tradução de Vasco Graça Moura
terça-feira, 8 de março de 2011
O Êxito Parece a Mais Doce das Coisas
O êxito parece a mais doce das coisas
A quem nunca venceu na vida.
Ter a compreensão de um néctar
Exige a mais dolorosa necessidade.
De entre o purpúreo Exército
Que hoje empunhou a Bandeira
Nenhum outro poderá dar uma tão clara
Definição da Vitória
Como o vencido - agonizante -
Em cujo ouvido interdito
A distante ária triunfal
Ressoa nítida e pungente!
Emily Dickinson, in "Poemas e Cartas"
Tradução de Nuno Júdice
A quem nunca venceu na vida.
Ter a compreensão de um néctar
Exige a mais dolorosa necessidade.
De entre o purpúreo Exército
Que hoje empunhou a Bandeira
Nenhum outro poderá dar uma tão clara
Definição da Vitória
Como o vencido - agonizante -
Em cujo ouvido interdito
A distante ária triunfal
Ressoa nítida e pungente!
Emily Dickinson, in "Poemas e Cartas"
Tradução de Nuno Júdice
segunda-feira, 7 de março de 2011
Imagens que Passais pela Retina
Imagens que passais pela retina
Dos meus olhos, porque não vos fixais?
Que passais como a água cristalina
Por uma fonte para nunca mais!...
Ou para o lago escuro onde termina
Vosso curso, silente de juncais,
E o vago medo angustioso domina,
_ Porque ides sem mim, não me levais?
Sem vós o que são os meus olhos abertos?
_ O espelho inútil, meus olhos pagãos!
Aridez de sucessivos desertos...
Fica sequer, sombra das minhas mãos,
Flexão casual de meus dedos incertos,
_ Estranha sombra em movimentos vãos.
Camilo Pessanha, in 'Clepsidra'
Dos meus olhos, porque não vos fixais?
Que passais como a água cristalina
Por uma fonte para nunca mais!...
Ou para o lago escuro onde termina
Vosso curso, silente de juncais,
E o vago medo angustioso domina,
_ Porque ides sem mim, não me levais?
Sem vós o que são os meus olhos abertos?
_ O espelho inútil, meus olhos pagãos!
Aridez de sucessivos desertos...
Fica sequer, sombra das minhas mãos,
Flexão casual de meus dedos incertos,
_ Estranha sombra em movimentos vãos.
Camilo Pessanha, in 'Clepsidra'
sábado, 5 de março de 2011
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