sexta-feira, 28 de setembro de 2007


O MAR
Antes que o sonho ( ou o terror ) tecesse
Mitologias e cosmogonias,
Antes que o tempo se cunhasse em dias,
O mar, o sempre mar, já estava e era.
Quem é o mar? Quem é aquele violento
E antigo ser que rói os pilares
Da terra e é um e muitos mares
E abismo e esplendor e acaso e vento?
Quem para ele olhar vê-o pela primeira vez,
Sempre. Com o assombro que as coisas
Elementares deixam, as belas
Tardes, a lua, o fogo de uma fogueira.
Quem é o mar, quem sou? Sabê-lo-ei no dia
Que se segue à agonia.
Jorge Luis Borges

HUNDERTWASSER

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Já que sentir é primeiro
quem presta alguma atenção
à sintaxe das coisas
nunca há-de beijar-te por inteiro;
.
por inteiro ensandecer
enquanto a Primavera está no mundo
o meu sangue aprova,
e beijos são melhor fado
que sabedoria
senhora eu juro por toda a flor. Não chores
- o melhor movimento do meu cérebro vale menos que
o teu palpitar de pálpebras que diz
.
somos um para o outro: então
ri, reclinada nos meus braços
que a vida não é parágrafo
.
E a morte julgo nenhum parêntesis
E.E. Cummings

Fernando Botero

quarta-feira, 26 de setembro de 2007



De nada serve, ó deuses da morte, enquanto tiverdes
Em vosso poder, prisioneiro, o homem acossado pelo destino,
Enquanto, no vosso furor, o tiverdes lançado na noite tenebrosa,
De nada serve então procurar-vos, suplicar-vos ou queixarmo-nos,
ou viver pacientemente neste desterro de temor,
E escutar sorrindo o vosso canto sóbrio.
Se assim for, esquece a tua felicidade e dormita silenciosamente.
No entanto brota no teu peito uma réstea de esperança,
Tu ainda não podes, ó minha alma! Não podes ainda
Habituar-te e sonhas dentro de um sonho férreo!
Não estou em festa, mas gostaria de coroar-me de flores;
Não me encontro eu só? Mas algo apaziguador deve
Aproximar-se de mim vindo de longe e sou forçado a sorrir e a admirar-me
Por experimentar alegria no meio de tão grande sofrimento.

De Chirico

terça-feira, 25 de setembro de 2007



Os Cegos espalham incenso em feridas pustulentas.
Vestes vermelho-ouro, tochas, canções salmodiadas;
E raparigas, qual veneno, ao Senhor abraçadas.
Pelo fumo ardente as figuras de cera passam lentas.
.
Um simplório abre a dança nocturna dos leprosos,
Ossudo e seco. Jardins de estranhas aventuras,
Deformações, esgares de flores, risos; criaturas
Abjectas e astros girando em espinhos ominosos.
.
Oh miséria, sopa de pobres, alho, doce, pão;
Belos sonhos de vida em cabanas nas florestas.
Fez-se duro o céu cinzento nos campos de giestas,
Canta um sino as trindades seguindo a tradição.
Georg Trakl

HR GIGER

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

CONSTRUIU uma cúpula de rocha
A toda a volta, abóboda uterina
Onde os rios de milhares de veias
Sangrentas fluem por montanhas
Para esfriar as línguas de fogo eterno
Que de fora lançam os Eternos; qual globo negro
Aos olhos dos filhos da Eternidade, erguido
Nas praias do oceano infinito,
Qual coração humano, em luta, a pulsar,
O mundo imenso de Urizen surgiu.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007






INFÂNCIA
Todas as árvores apaziguam
o espírito. Debaixo do pinheiro bravo
a sombra torna metafísica
a silhueta de tronco e copa.
Em volta da ameixoeira temporã
vespas ensinam os meus ouvidos
louvores. As oliveiras não se movem
mas as formas da essência desenham-se
cada dia com o vento.
.
Na sombra os frémitos
acalentam o pensamento
até ao não pensar. Depois
até sentir a vacuidade
no halo de flores que o envolve.
Sob as oliveiras, por fim,
que não se movem contorcendo-se,
concebe o não conceber.




quarta-feira, 19 de setembro de 2007



LEVE, LEVE, muito leve,

Um vento muito leve passa,

E vai-se, sempre muito leve.

E eu não sei o que penso

Nem procuro sabe-lo.


terça-feira, 18 de setembro de 2007


CONTUSÃO
A cor aflui ao local, púrpura e baça.
O resto do corpo está sem cor,
a cor da pérola.
.
Numa cavidade da rocha
o mar sorve obssesivamente,
uma concavidade, o centro de todo o mar.
.
Do tamanho de uma mosca,
a marca do destino
rasteja pela parede.
.
O coração fecha-se,
o mar retira-se,
os espelhos estão velados.
Sylvia Plath

segunda-feira, 17 de setembro de 2007



SETA

A verdade é que não conseguia curar-se de uma delicadeaza infinita
senão consigo
ao menos para com o mundo
a glória desejava semelhante
no escuro e à luz dos campos
embora tanto se achasse incapaz
.
preferiu sempre a seta que desparece
ao nome breve que se guarda

sábado, 15 de setembro de 2007


NASCEMOS PARA O SONO

Nascemos para o sono,

nascemos para o sonho.

Não foi para viver que viemos sobre a terra.

Breve apenas seremos erva que reverdece:

verdes os corações e as pétalas estendidas.

Porque o corpo é uma flor muito fresca e mortal.

Herberto Hélder

sexta-feira, 14 de setembro de 2007


ODE

Já sobre a fronte vã se me acinzenta

O cabelo do jovem que perdi.

Meus olhos brilham menos.

Já não tem jus a beijos minha boca.

Se me ainda amas, por amor não ames:

Traíras-me comigo.

Ricardo Reis

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

POEMA

Tua boca

é um dia estreito

cheio de moscas

De noite

tem a cor azul-verde

dum veneno

como o mar

Pedro Oom



terça-feira, 11 de setembro de 2007


TENHO FRIO junto aos mananciais. Subi até cansar o coração.
.
Há erva negra nas ladeira e açucenas roxas entre sombras, mas, - que
faço diante do abismo?
.
Sob as águias silenciosas, a imensidão carece de significado.