sábado, 10 de abril de 2010

Balada do Poema que não Há Quero escrever um poema Um poema não sei de quê Que venha todo vermelho Que venha todo de negro Às de copas às de espadas Quero escrever um poema Como de sortes cruzadas Quero escrever um poema Como quem escreve o momento Cheiro de terra molhada Abril com chuva por dentro E este ramo de alfazema Por sobre a tua almofada Quero escrever um poema Que seja de tudo ou nada Um poema não sei de quê Que traga a notícia louca Da história que ninguém crê Ou esta afta na boca Esta noite sem sentido Coisa pouca coisa pouca Tão aquém do pressentido Que me dói não sei porquê Quero um poema ao contrário Deste estado que padeço Meu cavalo solitário A cavalgar no avesso De um verso que não conheço Que venha de capa e espada Ou de chicote na mão Sobre esta noite acordada Quero um poema noitada Um poema até mais não Quero um poema que diga Que nada há que dizer Senão que a noite castiga Quem procura uma cantiga Que não é de adormecer Poema de amor e morte No reino da Dinamarca Ser ou não ser eis a sorte O resto é silêncio e dor Poema que traga a marca Do Castelo de Elsenor Quero o poema que me dê Aquela música antiga Da Provença e da Toscânia Vinho velho de Chianti Com Ezra Pound em Rapallo E versos de Cavalcanti Ou Guilherme de Aquitânia Dormindo sobre um cavalo E com ele então dizer O meu poema está feito Não sei de quê nem sobre quê Dormindo sobre um cavalo Quero o poema perfeito Que ninguém há-de escrever Que ele traga a estrela negra Do canto e da solidão Ou aquela toutinegra De Camões quando escrevia Sôbolos rios que vão Que venha como um destino Às de copas às de espadas Que venha para viver Que venha para morrer Se tiver que ser será E não há cartas marcadas Só assim poderá ser O poema que não há Manuel Alegre, in "Babilónia"

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