terça-feira, 22 de dezembro de 2009



 
Encontrei-me iluminado nos telhados
Encontrei-me iluminado nos telhados, 
era vago, era despovoado, era lindo.
Tinha a tristeza de uma cisterna
abandonada por preguiça de outras gerações. 
Agora, ainda posso ver o meu choro discreto
quando no meu voo
os olhos grandes me deixam ver o sol em pausa.

Além, mesmo além
- o silêncio regressava aos braços cansados e sábios 
para junto dos homens que volviam plácidos.
Além, mesmo além
o silêncio trazia no fundo chamas de queimar deuses e o próprio 
hálito dos deuses.
E queimava, queimava o solo vestido
hora a hora 
até que das chamas colhia o segredo da vida e da morte. 

Além, mesmo além
vago e despovoado eu caminhava mais um pouco
ainda com neve nos cabelos em ferida.

Que ninguém respire.
A hora não é de respirar,
reconheço.
No meu fato de espectador mal arrumado
exposto à porta de uma paróquia de condenados
não é de respirar,
reconheço.
Mais rei
acompanho a minha antiguidade
que parte nervosa para uma grande viagem.
A meio do dia
tomarei a meu gosto um pouco de moral no sangue.
E quando lá do sonho
os espelhos trouxerem mar
a chama singular e franzina
queimará o século e a fronte,
as sombras dos dedos nos seios,
os veleiros de imortalidade
cheios de palmos de terra,
até que lá do sonho eu não respire
que a hora não é de respirar,
eu reconheço.
Fernando Alves dos Santos
in A Única Real Tradição Viva 
Antologia da Poesia Surrealista Portuguesa
de Perfecto E. Cuadrado

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