terça-feira, 24 de março de 2009
16
Esta inconstância de mim próprio em vibração
É que me há-de transpôr às zonas intermédias,
E seguirei entre cristais de inquietação,
A retinir, a ondular... Soltas as rédeas,
Meus sonhos, leões de fogo e pasmo domados a tirar
A torre d'ouro que era o carro da minh'Alma,
Transviarão pelo deserto, moribundos de Luar -
E eu só me lembrarei num baloiçar de palma...
Nos oásis, depois, hão de se abismar gumes,
A atmosfera há-de ser outra, noutros planos:
As rãs hão de coaxar-me em roucos tons humanos
Vomitando a minha carne que comeram entre estrumes...
* * *
Há sempre um grande Arco ao fundo dos meus olhos...
A cada passo a minha alma é outra cruz,
E o meu coração gira: é uma roda de cores...
Não sei aonde vou, nem vejo o que persigo...
Já não é o meu rastro o rastro d'oiro que ainda sigo...
Resvalo em pontes de gelatina e de bolores...
Hoje, a luz para mim é sempre meia-luz...
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
As mesas do Café endoideceram feitas ar...
Caiu-me agora um braço... Olha, lá vai ele a valsar
Vestido de casaca, nos salões do Vice-Rei...
(Subo por mim acima como por uma escada de corda,
E a minha Ânsia é um trapézio escangalhado...).
Mário de Sá-Carneiro
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