terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Adeus Já gastámos as palavras pela rua, meu amor, E o que nos ficou não chega Para afastar o frio de quatro paredes. Gastámos tudo menos o silêncio. Gastámos os olhos com o sal das lágrimas, Gastámos as mãos à força de as apertarmos, Gastámos o relógio e as pedras das esquinas Em esperas inúteis. Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada. Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro, Era como se todas as coisas fossem minhas: Quanto mais te dava mais tinha para te dar. Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes. E eu acreditava. Acreditava, Porque ao teu lado Todas as coisas eram possíveis. Mas isso era no tempo dos segredos, Era no tempo em que o teu corpo era um aquário, Era no tempo em que meus olhos Eram realmente peixes verdes. Hoje são apenas os meus olhos. É pouco, mas é verdade, Uns olhos como todos os outros. Já gastámos as palavras. Quando agora digo: meu amor, Já se não passa absolutamente nada. E no entanto, antes das palavras gastas, Tenho a certeza De que todas as coisas estremeciam Só de murmurar o teu nome No silêncio do meu coração. Não temos já nada para dar. Dentro de ti Não há nada que me peça água. O passado é inútil como um trapo. E já te disse: as palavras estão gastas. Adeus. Eugénio de Andrade

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