domingo, 12 de abril de 2009

Alegria De passadas tristezas, desenganos amarguras colhidas em trinta anos, de velhas ilusões, de pequenas traições que achei no meu caminho..., de cada injusto mal, de cada espinho que me deixou no peito a nódoa escura duma nova amargura... De cada crueldade que pôs de luto a minha mocidade... De cada injusta pena que um dia envenenou e ainda envenena a minha alma que foi tranquila e forte... De cada morte que anda a viver comigo, a minha vida, de cada cicatriz, eu fiz nem tristeza, nem dor, nem nostalgia mas heróica alegria. Alegria sem causa, alegria animal que nenhum mal pode vencer. Doido prazer de respirar! Volúpia de encontrar a terra honesta sob os pés descalços. Prazer de abandonar os gestos falsos, prazer de regressar, de respirar honestamente e sem caprichos, como as ervas e os bichos. Alegria voluptuosa de trincar frutos e de cheirar rosas. Alegria brutal e primitiva de estar viva, feliz ou infeliz mas bem presa à raíz. Volúpia de sentir na minha mão, a côdea do meu pão. Volúpia de sentir-me ágil e forte e de saber enfim que só a morte é triste e sem remédio. Prazer de renegar e de destruir o tédio, Esse estranho cilício, e de entregar-me à vida como a um vício. Alegria! Alegria! Volúpia de sentir-me em cada dia mais cansada, mais triste, mais dorida mas cada vez mais agarrada à Vida! Fernanda de Castro, in "D'Aquém e D'Além Alma"

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