[Quando eu vir vaguear por dentro da casa]
Quando eu vir vaguear por dentro da casa o abeto que cresceu no bosque, hei-de ajoelhar no soalho. Todas as coisas comunicam entre si a totalidade das suas formas. A mão que vai surgir do abeto apontará para mim. Tenho de despir as tiras de brocado que envolvem as veias, as cadeias de ouro dos rins. Deixar que as unhas longas da árvore passem entre mim e o imo dos quartos interiores da casa. Se essa figura imponente, a árvore, me reconhecer, vou interromper o que escrevo, esperar ansiosa atracção que a insónia desse vulto há - de exercer sobre mim. Rodo até à tontura da morte. Torturo-me até à alegria. Encontro na casa o tema da despossuição e a agonia. A pobreza antiga com que o corpo cai para uma vala. Preso apenas às pérolas que tinem nas orelhas. Dante deixou-nos resvalar, com os cânones clássicos, como se o poema fosse uma escada. É-o, quando as figuras austeras da Natureza perseguem os mortais. Querem confirmar a sua configuração. Querem ser reais, quando se aproximam. Vai para diante da minha face, ao fundo. Vem dos recantos, onde já não é a silhueta volúvel enovelada pelo vento, à janela. Com lentidão arrasta a forma táctil até à passagem do poema. Sou eu que me vergo ao domínio. Que me poise a marca incandescente na testa. Tocará na meninge como num cofre. Aceito coroas para depor sobre mim. Deixo os pés do abeto empurrar com a biqueira violetas. A fragrância delas leva-me a imaginar poemas em branco. Depois de percorrer um longo encadeamento de sílabas sou outra. Vejo assomar a natureza nua. Fiama Hasse Pais Brandão
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