sábado, 31 de outubro de 2009
Ó Trevas, que Enlutais a Natureza
Ó trevas, que enlutais a Natureza,
Longos ciprestes desta selva anosa,
Mochos de voz sinistra e lamentosa,
Que dissolveis dos fados a incerteza;
Manes, surgidos da morada acesa
Onde de horror sem fim Plutão se goza,
Não aterreis esta alma dolorosa,
Que é mais triste que voz minha tristeza.
Perdi o galardão da fé mais pura,
Esperanças frustrei do amor mais terno,
A posse de celeste formosura.
Volvei, pois, sombras vãs, ao fogo eterno;
E, lamentando a minha desventura,
Movereis à piedade o mesmo Inferno.
Bocage, in 'Rimas'
sexta-feira, 30 de outubro de 2009
quinta-feira, 29 de outubro de 2009
quarta-feira, 28 de outubro de 2009
terça-feira, 27 de outubro de 2009
segunda-feira, 26 de outubro de 2009
Enterro de Ophelia
Morreu, Vae a dormir, vae a sonhar... Deixal-a!
(Fallae baixinho: agora mesmo se ficou...)
Como padres orando, os choupos formam ala,
Nas margens do ribeiro onde ella se afogou...
Toda de branco vae, n'esse habito de opala,
Para um convento: não o que o Hamlet lhe indicou,
Mas para um outro, horror! que tem por nome Valla,
D'onde jamais saiu quem, lá, uma vez entrou!...
O lindo Por-do-Sol, que era doido por ella,
Que a perseguia sempre, em palacio e na rua,
Vede-o, coitado! mal pode suster a vela...
Como damas de honor, nymphas seguem-lhe os rastros,
E, assomando no céu, sua Madrinha, a Lua,
Por ella vae desfiando as suas contas, Astros!
António Nobre, in 'Só'
domingo, 25 de outubro de 2009
Sobre a Cama de Roupa o teu Cadáver
Sobre a cama de roupa o teu cadáver
do corpo morto não inerte ou vivo
do corpo não contente ou triste ou vivo
de morto não inerte ou de cadáver
sobre a cama de roupa morto ou vivo
sobre o teu corpo morto de cadáver
à luz do corpo vivo de cadáver
descontente ou alegre morto ou vivo
como pude chorar ou morto ou vivo
sob a chuva da morte do cadáver
do corpo morto teu ou como vivo
pude olhar-te e chorar-te e o cadáver
sobre a cama de roupa inerte ou vivo
do teu corpo e de morto o teu cadáver
Gastão Cruz, in "Escassez"
sábado, 24 de outubro de 2009
Cansaço
O que há em mim é sobretudo cansaço —
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas —
Essas e o que falta nelas eternamente —;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimno, íssimo, íssimo,
Cansaço...
Álvaro de Campos, in "Poemas"
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