quinta-feira, 21 de maio de 2009

Mito Virá o dia em que o jovem deus será um homem, sem sofrimento, com o morto sorriso do homem que compreendeu. Também o sol se move longínquo avermelhando as praias. Virá o dia em que o deus já não saberá onde eram as praias de outrora. Acorda-se uma manhã em que o Verão morreu, e nos olhos tumultuam ainda esplendores como ontem e no ouvido os fragores do sol feito sangue. A cor do mundo mudou. A montanha já não toca o céu; as nuvens já não se amontoam como frutos; na água já não transparece um seixo. O corpo dum homem curva-se pensativo onde um deus respirava. O grande sol acabou, e o cheiro da terra e a rua livre, colorida de gente que ignorava a morte. Não se morre de Verão. Se alguém desaparecia, havia o jovem deus que vivia por todos e ignorava a morte. Nele a tristeza era uma sombra de nuvens. O seu passo pasmava a terra. Agora pesa o cansaço sobre todos os membros do homem, sem sofrimento: o calmo cansaço da madrugada que abre um dia de chuva. As praias sombreadas não conhecem o jovem a quem outrora bastava que as olhasse. Nem o mar do ar revive na respiração. Cerram-se os lábios do homem resignados, para sorrir frente à terra. Cesare Pavese, in 'Trabalhar Cansa' Tradução de Carlos Leite

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