sábado, 16 de maio de 2009
Se os Poetas Fossem Menos Patetas
Se os poetas fossem menos patetas
E se fossem menos preguiçosos
Faziam toda a gente feliz
Para poderem tratar em paz
Dos seus sofrimentos literários
Construíam casas amarelas
Com grandes jardins à frente
E árvores cheias de zaves
De mirliflautas e lizores
De melfiarufos e toutiverdes
De plumuchos e picapães
E pequenos corvos vermelhos
Que soubessem ler a sina
Havia grandes repuxos
Com luzes por dentro
Havia duzentos peixes
Desde o crusco ao ramussão
Da libela ao papamula
Da orfia ao rara curul
E da alvela ao canissão
Havia um ar novo
Perfumado do odor das folhas
Comia-se quando se quisesse
E trabalhava-se sem pressa
A construir escadarias
De formas antes nunca vistas
Com madeiras raiadas de lilás
Lisas como ela sob os dedos
Mas os poetas são uns patetas
Escrevem para começar
Em vez de se porem a trabalhar
E isso traz-lhes um remorso
Que conservam até à morte
Encantados de ter sofrido tanto
Dedicam-lhes grandes discursos
E são esquecidos num dia
Mas se trabalhassem mais
Só seriam esquecidos em dois
Boris Vian, in "Não Queria Patear"
Tradução de Irene Freire Nunes / Fernando Cabral Martins
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